domingo, 27 de junho de 2010

Da culpa pelo fracasso

[26º Dia] 24/06/2010    - "Tá acabaanoo!  tá acabaano!!"
Cheguei um pouco atrasado (praticamente como todas as quartas) vi a professora, uma aluna e uma mulher na porta da sala de aula conversando. Passei em frente indo para o bebedouro, e também para verem que eu já tinha chegado, foi quando eu estava já no final do corredor a professora me chamou:
- Diego! Acho que seria bom você conversar com ela também!
- ?
- Essa é a mãe da fulana!
- !
Essa fulana é uma aluna bem encrenqueira que tinha sido suspensa das aulas por ser muito bagunceira e desbocada, disseram que ela só poderia assistir as aulas se estivesse na presença do responsável, isso foi a 2 semanas, responsável nenhum apareceu...até aquele momento.
Fiquei sabendo que a fulana mentiu pra mãe, dizendo que estava indo pra escola, quando na verdade ia para o morro do Pinto (morro próximo da Central do Brasil) matar aula com outro colega, que também está sumido.
 A professora pediu minha opinião, disse então que seria curto e grosso, a mãe da menina me interrompeu então: "Ah, pode dizer! Ela é mal educada, folgada, respondona...." Então cortei-a : "Bom, fulana é uma menina muito inteligente, sabe da matéria, tá adiantada SÓ QUE às vezes é um pouco agitada demais, xinga muito e isso a atrapalha e a aula, mas se ela corrigir isso é MB (nota máxima) na certa. Lembrando que nesses casos, quando o responsável já sabe de todos os problemas do filho, ficar só criticando não ajuda, deve-se começar com elogios e ir apontando as dificuldades do aluno.
A mãe pediu várias desculpas por não ter aparecido antes, disse que realmente não sabia, que tinha mais  6 filhos (!), que trabalhava como faxineira, mas sempre priorizava a escola, que preferia faltar ao emprego que perder uma reunião de pais...deu pena daquela senhora! No final da conversa a professora voltou pra turma e eu fiquei mais uns minutos conversando com a responsável, disse que basicamente era isso, que não tinha muito mais o que dizer e a elogiei pelo interesse na vida estudantil da filha, que era de pais assim que a escola precisava, ou seja, sei que ela estava sabendo da gravidade da situação então pra não ficar uma situação muito desconfortável tentei ser direto, sem ser muito agressivo nas críticas.
Ai está uma situação complicada. Por um lado se culpa os professores pela falta de atenção dos alunos, pelo baixo rendimento, o professor é o bode expiatório de tudo de ruim que se passa na educação, o testa de ferro dos maus índices, das reprovações e evasões. Por outro lado julga-se os pais, por não darem educação aos filhos, por serem relapsos, não atenciosos, não passarem os valores básicos de ética e responsabilidade...E num caso dessses?
Quando os professores estão se esforçando ao máximo para ajudar aqueles alunos e vê-se uma mãe tão envergonhada pela situação  ("ela sabe que tem que estudar! eu converso isso com ela, eu trabalho limpando mijo dos outros, é isso que ela quer da vida? Eu fico com vergonha de pegar os cadernos dela, porque só estudei até a 4ª série, mas sempre falo da importância dos estudos...não sabia que ela tava assim!") e que apesar de tudo tenta dar um mínimo para a filha, uma oportunidade que ela não teve.
Nunca culpa-se os alunos. Porque não estão plenos de suas responsabilidades? Por serem imaturos? Inocentes? Por precisarem de orientação? Então todos os atos são culpas de quem os cerca...os professores, os pais, as influências dos amigos (estes com a mesma idade), mas nunca é culpa do jovem, por quê?
Esse fato me pôs para pensar  em como, às vezes, a culpa pelo fracasso de alguém é  da própria pessoa e até que ponto esse fracasso pode e deve ser dividido pelos que a influenciam (ou influenciaram). Pessoas com estilos de vida idênticos podem nem sempre ter percursos semelhantes na vida, então fica claro, que seja aluno, cidadão, pais, irmãos, filhos, todos têm o livre arbítrio para ditar os rumos de sua vida, nem sempre as condições serão favoráveis e o esforço em alguns casos poderá sem bem maior que em outros, mas nunca poderá se culpar o destino ou "as circustâncias" pelo rumo de vida, no final das contas, a culpa pela vitória ou pelo fracasso é somente nossa.

5 comentários:

Marcelo disse...

Diego,
Soube do seu blog em um comentário que você postou no lendo.org. Cheguei aqui, li este post, desci toda a barra de rolagem e li, de uma só vez, todo o seu blog.
Também sou estudante de Letras, também me interesso pelos desafios da educação e, no próximo semestre, também serei um estagiário. Então, preciso mesmo lhe dizer que o relato da sua experiência me fez um bem enorme! É um relato sincero, realista, emocionante (sim, eu me emocionei quando você disse "Dói bastante ver essas crianças já carentes") e reforça uma motivação que só nós - loucos, como dizem por aí - compreendemos tão bem.

Sinceramente, obrigado por me proporcionar tudo isso.

Só lamento não ter descoberto seu blog antes, acompanhado as postagens diariamente e não ter comentado da forma como seu esforço e dedicação mereciam. Lamento ainda mais o fato de que o fim das postagens está próximo; seria muito bom poder acompanhar seu blog por mais tempo.

Parabéns! Pelo blog, pela consciência, pela humanidade, pelo esforço.
Ah se nosso país tivesse mais jovens assim!

Estarei sempre por aqui.
Abração!

Diego Domingues disse...

Obrigado pelo comentário Marcelo,
se os comentários foram escassos até agora, o seu foi importantíssimo pra mim! Como disse no começo decidi usar esse blog pra registro pessoal, mas é ótimo ver suas experiências ajudando alguém!! Muito obrigado mesmo, e se possível divulgue o blog para conhecidos, ou futuros (loucos) educadores...
;-)
Um abraço!!

Indira Hansen disse...

Diego,

Assim como o Marcelo, cheguei ao seu blog pelo Lendo.org, e também li todas as linhas aqui escritas.

Não sou estudante de Letras... Optei por Administração de Empresas, me formei o ano passado, contudo sempre quis – e continuo querendo – estudar História. Não o fiz por medo. Medo de ganhar mal, de ser infeliz... Medo de não conseguir agüentar as situações que você descreve aqui.

Mas posso te dizer, de verdade, que pessoas como você e o André (do Lendo.org) me inspiram a tentar realizar este desejo, pois é possível ver em vocês amor pelo que fazem, o amor que eu gostaria de sentir se fosse professora, o amor que acho imprescindível para ensinar alguém.

Parabéns pelos relatos, pela capacidade, pela vontade e pela força!

Vou acompanhar o que resta da sua “saga”... E que a força esteja com você! rs...

Abraços!

Unknown disse...

Obrigado Indira! Para quem passou algumas semanas sem nenhum comentário, dois tão bons assim é muito importante e motivador pra mim!
De fato, o magistério não é carreira para quem quer enriquecer rápido, mas por outro lado se alguém escolhe uma carreira pensando só, e somente só, na remuneração pode acabar se arrependendo depois. Acho que uma hora a realização pessoal irá falar mais alto, e no final das contas, pelo menos pra mim, mais vale um profissional feliz que não ganhe lá tãaao bem, quanto um que ganhe muito bem e frustrado ou rancoroso com a vida e suas escolhas.
De qualquer forma, boa sorte e muito sucesso na sua carreira e quem sabe, num futuro qualquer, vc não venha a se tornar uma colega de profissão? Um bjo! e até ;-)

Luciana Gomes disse...

Diego, é bom saber que alguém tão jovem na profissão tenha um olhar tão maduro e sensato diante dos fatos. Somos todos responsáveis pelo que acontece em educação: sistema, professores, pais, alunos. É necessário nos colocarmos no lugar do outro para que o nosso posicionamento não seja o de simplesmente julgar. Muitos professores deveriam ter acesso a seu blog. Vamos divulgar.

Beijo.

Luciana

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