quarta-feira, 12 de maio de 2010

Prova de Choque

[4º Dia]
"O Horror! O horror!"
Uso a frase do filme Apocalypse Now para começar o relato do dia de hoje. O correto seria começar contando como foi, depois o desenvolvimento e por último a conclusão, mas usando uma estrutura tarantinesca começo pelo fim sigo pelo começo e termino no meio, só assim para poder representar de fato como foi o dia de hoje: uma tremenda bagunça!
A professora começa corrigindo uns deveres da aula anterior que poucos fizeram, por volta de 14h ela avisa sobre sua reunião e que eu ficarei com a turma. Alguns se revoltam, um deles agarra ela não a deixando sair, outros mandam ela "ir embora com Deus!", enfim, após uma gritaria inicial, todos se acalmam e prestam atenção no que digo. Estou entregue aos leões.
Começo primeiro estabelecendo os parâmetros para que o dia corra bem, peço respeito e que enquanto estiver falando não gostaria de ouvir nenhuma conversa e que da mesma forma, quando um deles for falar eu ficarei quieto ouvindo, digo que todos ali merecem ser respeitados e que ninguém tem o direito de ofendê-los, entretanto para conquistar respeito é preciso se dar o respeito. Acho bom começar a lançar para eles alguns conceitos que podem ajudá-los a trabalhar sua autoestima, obviamente alguns escutaram e outros não, pergunto se alguém tem algo a dizer, alguma dúvida, crítica...Silêncio. Prossigo então para a atividade que elaborei.

[A atividade]
Dividi a turma em duplas, tentando colocar os mais avançados com os menos, para formar grupos equilibrados e um poder ajudar o outro, dei uma folha de papel ofício para cada dupla e depois pedi que apenas um viesse escolher alguma figura das que tinha espalhado na mesa.
Pedi então que o outro que não venho ainda, viesse e escolhesse uma revista (levei várias Épocas, Vejas e jornais) e retornasse a seu lugar. Pronto. Cada dupla com uma figura, uma revista e uma folha de papel.
O que eles deveriam fazer é criar uma frase baseada na imagem, só que ao invés de escrever, eles procurariam as palavras nas revistas, não as letras, as palavras inteiras.
Por exemplo, se uma dupla pegou a foto de um menino na praia e pensou na frase "João foi a praia.", teria que achar as palavras: "João", "foi", "a" e "praia", não poderia recortar letras soltas como J-o-ã-o.
Minha ideia era que trabalhassem em grupo, estimulando a criatividade pra pensar numa frase, sem apenas copiar nada pré-estabelecido e que exercitassem a leitura procurando não por letras, mas por palavras. Depois iria mostrar pra eles que no ato de folhear as revistas e procurar o que queriam, estavam na verdade lendo uma revista, um jornal e que poderiam fazer isso em casa, na rua, bastava terem atenção e concentração que poderiam exercer a leitura sem maiores problemas.
Na minha cabeça a ideia era boa, afinal como muitos não acreditam no seu próprio potencial com essa tarefa estariam lendo algo além do "BA-BE-BI-BO-BU", algo mais próximo do cotidiano.

[O resultado]
De fato muitos perceberam que ler uma revista com um grau um pouco mais complexo do que os deveres de apenas copiar que normalmente fazem é possível, outros não. Após a primeira meia hora, em que pensei na minha ingenuidade que a calmaria se manteria, muitos começaram a se levantar, zanzar pela sala, outros na frustração de não acharem o que queriam foram atrapalhar os colegas que estavam indo bem. Eu a todo tempo tentava ir em cada dupla para ajudá-los, tentando dar atenção para cada dúvida, mas em algum ponto, algo desandou e depois de vários pedidos, de alunos levantando, saindo da sala, brigando, o grand finale:  um deles jogou cola no cabelo de outro e esse outro quis revidar. A turma ficou em silêncio. Eu tentei concentrar toda a desaprovação que podia no olhar e mandei os dois pro banheiro pra se limpar e depois pra sala do diretor. Foram, voltaram, um deles eu deixei voltar pra sala e o outro conversei em particular na porta, pra explicar que as atitudes dele estavam atrapalhando a turma. Segunda chance dada.
A turma foi concluindo a atividade aos poucos e quando todos já tinham acabado, liberei-os para o recreio.

[E depois]
É muito fácil julgar qualquer atitude. Da segurança de minha posição de estagiário, observando a aula da professora, pensava em várias maneiras de otimizar os resultados, pensava em como poderia usar melhor as palavras e (vejam só!) pensava que no lugar dela, eles ficariam mais comportados. Não ficaram.
Fiquei chateado porque embora o início tenha sido proveitoso, o final foi bem complicado, depois do intervalo muitos não voltaram e para os que ficaram distribui folhas com exercícios para fazerem. Fizeram. Depois os liberei, com a autorização do diretor, meia-hora antes.

[Conclusão]
"o horror..."
Se antes já admirava a determinação e paciência da professora, hoje vi que ela merece um altar bem iluminado. Fico feliz porque a maioria me respeitou, alguns, apesar de estarem atrasados no aprendizado, são muito esforçados, porém outros atrapalham de tal forma que amanhã vou propor que chamem os pais desses alunos (uns 3) ou enviem algum bilhete de aviso.
Eu tento dar atenção a todos, mas sei que a partir do momento que o próprio aluno desisti de si, não há nada que eu possa fazer, tem que ser um trabalho conjunto e se se sentem confortáveis repetindo os passos dos pais ou vivendo sem grandes expectativas, o que posso fazer? Esse último parágrafo é um desabafo sincero, pois há muito eufemismo e hipocrisia quando se diz que tem que tratar a todos como iguais ou que sempre dá pra salvar um aluno, concordo em partes, porque se o aluno não quer se salvar nem aceita ajuda, o que se faz? Como se faz?
Hoje foi minha prova de choque, um dia muito cansativo, mas tudo é experiência e aprendizado, com certeza, apesar dos pesares, hoje cresci um pouco mais.

Agora eu sei como Daniel se sentiu...

1 comentários:

Marcelo disse...

Muito bom seu blog, Diego...nao li todos os textos, claro, pois gosto de ler as coisas destrinchando-as, esmiuçando as palavras e aos poucos...e o texto do amigo que eu li, merecem esta atençao...parabéns, vocal do BIQUINI...RSRSR...cara, isso já uma ideia para uma futura monografia...muito bom mesmo.

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