quarta-feira, 19 de maio de 2010

Um Pouco de Pessimismo

[8º Dia]
Ontem não teve aula (as terças não tem português), mas pra não ficar de bobeira fui lá ver se poderia ser útil de alguma forma.
Fiquei como monitor com uns 5 alunos do 6º ano, ajudando-os em leitura e interpretação de texto, levei um do Millôr Fernandes chamado A Morte da Tartaruga, eles se revezaram, cada um lendo um parágrafo, enquanto o grupo todo interpretava o texto conforme ia sendo lido.
As dificuldades foram semelhantes a que vejo na turma de alfabetização, embora todos devessem estar "alfabetizados", alguns tem dificuldade de ler dígrafos, outros tentam ler tudo rápido e comem palavras e o pior: há aqueles que sabem algo, ou acham que sabem, e ficam humilhando os que não sabem, esses além de arrogantes, atrapalham muito o processo de ensino.
Quanto mais convivo nesse meio, mas vejo a podridão que é o ensino público brasileiro, vejo pelo lado do ensino carioca, mas duvido que pelo Brasil a fora seja muito diferente, ontem por exemplo, peguei um aluno (entre aqueles 5) que não reconhecia um "M", um "A". Um aluno que chega ao 6º ano e não conhece uma vogal, ou não consegue ler uma sílaba simples não está semi-alfabetizado, nem tem dificuldades, não é analfabeto funcional, um aluno nessas condições está completamente analfabeto. E no 6º ano.
Como ele estava ficando constrangido por não conseguir ler o "MA", li junto e pedi para que ele sozinho interpreta-se aquela parte. Ele interpretou muito bem, entendeu o que se passava na história, o problema era que não sabia ler! Ao final do período que ficamos ali, esse aluno me perguntou se todos os dias teriamos aquele encontro, disse que provavelmente não, porque só as terças eu tenho o dia livre e ele me derrubou: "pena, nós deveriamos ter."
Dói bastante ver essas crianças já carentes, levando tanta porrada da vida e num ambiente como aquele, que deveria ser de inclusão e aperfeiçoamento intelectual, elas vão ficando cada vez mais pro lado, mais excluídas. Como um menino chega ao 6º ano sem saber ler? ou melhor, como um menino foi sendo aprovado por 6 anos seguidos e não perceberam que ele não dominava o mais básico do básico?
Aprovação automática? Professores sobrecarregados? Descaso da escola? Não sei! Sinto que os professores são muito bem intencionados e pelas conversas que ouço na sala deles, vejo que realmente se importam e discutem formas de ajudar (até mesmo salvar) alguns alunos, mas é dificil, tanto pelo que abordei no post anterior, sobre a questão familiar, quanto pela dificuldade de mapear 20, 25, às vezes 30 alunos no período de 1h por dia, se revezando em várias salas, em vários andares e em vários colégios. De quem é a culpa então?
O fato é que um aluno foi selecionado aleatoriamente numa turma para uma aula de reforço enquanto eu estava disponível e de cara já vi que ele precisa muito de ajuda e nem era pra estar naquela turma, quantos e quantos outros alunos daquela escola estão em situação parecida e quanto mais espalhados por ai vão chegar ao 9º ano, se formar e concluir o ensino fundamental sem os conhecimentos primários.
O sistema de educação é tão complexo que seria covardia apontar um único culpado por essa situação e minha intenção aqui nem é essa, mas o que alguns alunos da rede pública passam, seja no Rio, na Bahia ou no Amazonas é uma violência tão grande, mais tão grande contra seus direitos que não sei se sinto pena deles, raiva do sistema, impotência de não poder ajudar a todos como precisam ou tudo junto, mas que incomoda, incomoda...e muito!


fonte: IBGE.  Resultados otimistas?

1 comentários:

Anônimo disse...

Dig's Tenho acompanhado seus relatos!
Não sei se com mais de um mes os relatos ficaraão repetitivos... talvez sim, com o tempo vc estará mais adaptado mesmo...
mas nao se acomode...se incomode sempre.
Nao estou dizendo isso por achar que vc corra esse risco. É só um estímulo mesmo.
Talvez o blog possa tomar outros rumos. A forma como vc tem ajudado os alunos é tocante e inspiradora. Tem me feito refletir e com certeza vai me ajudar quando chegar a minha vez.

Beijos

Julia

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